A garantia legal dos bens de consumo

Miguel Sengo da Costa – Centro de Arbitragem de Consumo do Algarve – www.consumoalgarve.pt

A matéria das garantias dos bens de consumo é uma das principais fontes da conflituosidade entre consumidores e empresas, porquanto se justifica que neste espaço se procure apresentar, de forma simplificada, os principais traços do regime jurídico aplicável.

A falta de conformidade do produto ou do serviço é uma ocorrência que, embora não seja desejável, acontece com alguma frequência, resultando o conflito, não tanto da sua ocorrência, mas sim do desconhecimento, normalmente de ambas as partes, sobre o regime jurídico aplicável.

A matéria está atualmente regulada em detalhe no DL 67/2003, de 8 de Abril (apesar de também estar prevista na Lei da Defesa do Consumidor), com a redação que lhe foi dada pelo DL 84/2008 de 21 de Maio, que consagra a existência de uma garantia legal dos bens de consumo, que em alguns aspetos não se afigura de fácil interpretação.

Em primeiro lugar, refira-se que este diploma sobre as garantias de bens de consumo só é aplicável às relações de consumo, o que quer dizer que os direitos nele consagrados à garantia dos bens de consumo, só podem aproveitar ao consumidores enquanto tal, não podendo as suas regras ser invocadas pelas empresas ou por empresários mesmo quando tenham sido adquirentes de um bem ou serviço para uso na sua atividade de empresários com desconformidades (Cfr. Artº. 1º. A, nº. 1)

Para efeitos deste diploma, o bem é considerado com defeito, ou não conforme (terminologia usada na lei), quando,  não for conforme com a descrição que dele é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo; não ser adequado ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado; não for adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo; não apresente as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem. (Cfr. Artº. 2 do DL 67/2003).

O prazo da garantia legal é de dois anos para as coisas móveis e de cinco anos para os imóveis, a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, salvo nas situações em que a falta de conformidade em questão seja incompatíveis com a natureza do bem, o que acontece normalmente nos bens de natureza consumível ou de desgaste rápido.

Em relação aos bens móveis usados, o prazo pode ser reduzido para um ano por acordo escrito entre as partes.

Em caso de falta de conformidade com o contrato, o nº 1 do artigo 5º do DL 67/2003, atribui ao consumidor os seguintes quatro direitos primários: a) de reparação da coisa b) ou a sua substituição; c) a redução adequada do preço; d) ou a resolução do contrato.

E o consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos, salvo se se manifestar impossível ou constituir abuso de direito (Cfr. nº 5 do art. 5º).

Porém, há quem entenda que a alternatividade ou escolha do consumidor consagrada em tal norma é relativa, prevendo-se como que uma hierarquia entre os direitos aí previstos: em primeiro lugar, a reparação ou substituição do bem, e em segundo lugar, a redução do preço ou a resolução do contrato. A aplicação desta disposição ao caso concreto, em face da pretensão do consumidor, nem sempre é isenta de dificuldades.

Em caso de não conformidade do bem, o consumidor tem prazos para exercer os seus direitos, sob pena de caducidade do direito.

Tratando-se de coisa móvel  o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detetado (Cfr. Artº. 5º A).

Depois de denunciada a desconformidade, tratando-se de bem móvel, os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam decorridos dois anos a contar da data da denúncia e, tratando-se de bem imóvel, no prazo de três anos a contar desta mesma data. Ou seja, depois da denúncia da não conformidade dentro destes prazos o consumidor tem que exercer o direito de ação junto de um tribunal.

Quem responde pela garantia legal perante o consumidor é o vendedor do bem, podendo porém, o consumidor que tenha adquirido coisa defeituosa optar por exigir do produtor a sua reparação ou substituição (Cfr. Artº. 6º).

Contudo, o vendedor não pode eximir-se da sua responsabilidade perante o consumidor, remetendo-o para o produtor ou fornecedor, não obstante ter direito de regresso conta estes se tiver satisfeito o direito do consumidor (Cfr. Artº. 7º.).

Por último, em relação ao prazo para efetivar a garantia legal, tratando-se de um bem imóvel, a reparação ou a substituição devem ser realizadas dentro de um prazo razoável, tendo em conta a natureza do defeito, e tratando-se de um bem móvel, num prazo máximo de 30 dias, em ambos os casos sem grave inconveniente para o consumidor.

A ultrapassagem do prazo de 30 dias para a reparação ou substituição do bem móvel é considerada a prática de uma contraordenação, punida com uma coima de  250,00 euros a  2500,00  e de  500,00 euros  a  5000,00, consoante o infrator seja pessoa singular ou pessoa coletiva (Cfr. Artº. 12 A), não motivando, por si só, a automática resolução do contrato.

Trata-se de matéria que está na origem de muitos conflitos entre consumidores e empresas, mas cujo conhecimento das regras aplicáveis de parte a parte, pode evitar o surgimento do conflito.

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